De verdade, tudo o que eu queria te dizer


A leitura é parte integrante de minha vida desde que me conheço como gente. Eu era daquelas crianças que sabiam a história de cor, e queriam que a contassem de novo. Se fosse descrever um possível paraíso, ele se pareceria com a Biblioteca de Babel de Borges, com toda a certeza. Se eu fosse para uma praia da deserta levaria um livro e provavelmente deixaria um suspense no ar sobre qual seria como em a Máquina do Tempo de H.G. Wells.

Mas tenho deixado um pouco de lado o prazer de ler por ler. Os acontecimentos pessoais dos últimos anos, a navegação cotidiana pela internet, os livros digitais e mesmo a leitura técnica em demasia acabaram por me tolher aquela naturalidade de viajar pelas páginas de um bom livro. E foi nesse estado que eu e o livro de Sàdor Màrai nos encontramos. 

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“Eu lia muito. Mas também com a leitura somos, você sabe... você só ganha dos livros alguma coisa se for capaz de dar alguma coisa às suas leituras. Quero dizer, se se empenhar a ponto de no duelo da leitura receber e infligir ferimentos, se se dispuser a discutir, convencer, e se convencer, e depois, enriquecido pelo que aprendeu no livro, na vida, ou no trabalho, você puder construir com base nisso alguma coisa... Um dia notei que não tinha mais uma relação verdadeira com as minhas leituras. Lia como lemos uma cidade desconhecida, para passar o tempo,  como vamos a um museu onde olhamos para os objetos expostos com uma indiferença educada. Lia como quem cumpria uma obrigação: saía um livro novo, falavam dele, eu tinha de lê-lo. Ou ainda não havia lido o livro antigo, famoso, minha cultura era imperfeita, toda manhã e toda noite eu lhe dedica uma hora e o lia. Eu lia assim... Houve um tempo em que a leitura era para mim uma aventura, eu pegava nas mãos com o coração batendo forte os livro novos dos escritores conhecidos, o livro novo era como o encontro com alguém, uma convivência perigosa de que adviria toda espécie de coisas felizes, boas, mas também consequências perturbadoras, angustiantes. Agora eu lia como ia à fábrica, como ia duas vezes por semana, ou mais, aos encontros sociais, como ia ao teatro e como vivia em casa com minha mulher, atencioso e educado, no coração com a questão opressiva, preocupante, a qual gritava rouca que havia um grande problema comigo, um grande perigo me ameaçava, talvez eu estivesse doente, talvez uma armadilha ou uma trama estivesse sendo armada contra mim e eu não tivesse certeza de nada, um dia acordaria ante a realidade de que tudo o que eu construíra, a obra-prima da ordem cuidadosa, do respeito e dos bons modos e da convivência educada ruiria...”
(Marái, Sandor. De verdade. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 2008. P. 207-208) 

Um bom livro tem essa magia da aventura, ele te pega como uma armadilha, ele te envolve nas tramas e um mundo inteiro se forma dentro da gente. De verdade fala das versões de cada um, nossas visões pessoais das coisas que acabam formando nossa história e que nem sempre coincidem com a visão do outro, que é tantas vezes o protagonista de nosso romance pessoal. De verdade trata das verdades. Ao mesmo tempo profundo e raso. Me lembrou a acidez leve de Milan Kundera. Das liquidezas dos amores tantos que se perdem ou se fazem de inúmeras interpretações, nem sempre verdadeiras, mas sempre de cada um. Ao mesmo tempo que fala de quatro pontos de vista diferentes, fala da transformação da sociedade de sua época, nas relações entre classes sociais e culturais diferentes e dos choques existentes entre elas. Querem saber mais sobre o livro? Vejam AQUI. Eu gostei muito. Particularmente pela fluidez da escrita, pela construção das frases, pela harmonia que conta histórias comuns de uma forma envolvente. É como se a vidinha de cada protagonista virasse um épico, uma sinfonia, uma opereta, um drama.

Pinterest - Simple Chair
E na esteira da minha resolução de ler mais romances em 2014 me encontrei com o Tudo o que eu queria te dizer da Martha Medeiros. De certa forma, um tem a ver com outro, com as verdades que calamos, com as que queríamos dizer e quase nunca conseguimos. Não na hora certa e nem para a pessoa certa. Terapias estão aí para desabafarmos muito o que poderia ser resolvido se conseguíssemos falar TUDO o que gostaríamos de falar. A Martha é uma autora gaúcha, conhecida nacionalmente. E confesso que gostava mais dos primeiros versos dela, iniciante, que conheci em um livro que comprei por impulso de uma guria desconhecida. Tinha um certo quê com as últimas obras, me pareciam muito comerciais. Sinal de que a gente não deve se deixar levar pelos pré-conceitos de maneira rígida. É bom quebra-los de vez em quando.   

E assim que 2014 me brinde com mais e mais descobertas, que eu possa ter tempo e gosto de desfruta-las. E que a minha biblioteca de babel se enriqueça mais e mais!
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E para não fugir ao tema do blog, eu realmente me apaixonei por essa poltrona hiper colorida que aparece abaixo. Quem me conhece sabe que sou mais discreta, mas também sou encantada com a obra de Gustav Klimt, especialmente o Beijo.
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E vamos combinar que um bom livro e uma bela poltrona são uma parceria incrível.

E vocês? O que estão lendo? Tem alguma descoberta a ser compartilhada? Adoraria saber.

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